Pode-se mesmo afirmar que a inflação no Brasil é uma das menores do mundo?
Com o avanço das campanhas eleitorais, tornou-se parte do discurso da direita afirmar que o Brasil teria uma das menores inflações do mundo, menor até do que aquela de economias como os Estados Unidos ou da União Europeia. Tal afirmação se colocaria, portanto, como exemplo de sucesso das políticas econômicas implementadas pelo Governo ao longo de 2022. Um olhar mais atento, que coloque em perspectiva o cenário global que estamos vivenciado, nos mostra que a situação não é assim tão simples. Mais do que isso, nossas análises demonstram que as políticas implementadas têm diferentes custos para os diferentes grupos sociais no Brasil.
Considerando os três primeiros anos do mandato de Bolsonaro, a inflação brasileira, na média do período, só foi menor do que a da Argentina, Turquia (países que passaram por crises cambiais avassaladoras) e Índia. Como indica o gráfico, contudo, entre 2019–2021 nossa inflação esteve acima de todas as economias desenvolvidas, da União Europeia à OCDE.
Em 2022 experienciamos, ainda, a maior inflação dos últimos 26 anos durante o mês de abril. Apesar dos pacotes lançados pelo governo para conter a alta dos preços, como é o caso do ICMS dos combustíveis, o Brasil ainda tem a inflação acumulada nos últimos 12 meses de 7,17% (atualizado em 21/10/2022). Neste mesmo período, nossa vizinha Bolívia tem 1,55% e a África do Sul, 7,6%.
Ainda, a redução forçosa dos preços dos combustíveis via PIS/Cofins e teto da alíquota do ICMS geraram um importante custo fiscal, diminuindo a capacidade arrecadatória do Estado. A primeira implicou em 2022 numa renúncia de 18bi de acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), que pode chegar a 53bi se mantida em 2023. Isso ocorre em um momento em que experienciamos o segundo maior déficit primário para o mês de agosto desde o início da série em 1997, só perdendo para os gastos com a pandemia, em 2020.
Já o teto do ICMS, além de ofender o pacto federativo, pode representar um custo fiscal de 32bi para a União no ano que vem, caso os estados recebam o direito de serem ressarcidos pelo impacto da medida neste ano. Vale lembrar, ainda, que o ICMS representa cerca de 86% da arrecadação dos estados.
Surpreende que apesar de sermos o maior produtor de proteína animal do mundo e o 2o. maior produtor de grãos, a alta de preços de alimentos no Brasil foi de 13,43%, comparável à da União Europeia, que enfrenta uma guerra em seu território. Vale adicionar, ainda, que a inflação de produtos alimentícios foi a maior até setembro desde o plano real.
Tal alta de preço dos alimentos deriva-se principalmente da falta de estoques devido às grandes chuvas e secas, que prejudicaram plantações, e também ao aumento dos custos de insumos, potencializado pelo aumento dos preços das commodities com a Guerra da Ucrânia. Como mostram dados da CONAB, os estoques de itens como arroz, feijão, trigo e farinha de mandioca foram quase zerados ao longo dos últimos anos, deixando-nos vulneráveis a crises globais.
O aumento do preço dos alimentos se reflete especialmente sobre a cesta de consumo dos mais pobres, como mostra um estudo do IPEA. Nele podemos ver que a renda desse grupo é desproporcionalmente impactada pela inflação nos últimos 2 anos. Grupos de renda baixa e muito baixa tiveram uma inflação acumulada nos últimos 12 meses de 9,2% e 8,7%, em comparação com uma inflação de 8,2% para grupos de renda média-alta, como destaca estudo do IPEA. Apesar da redução nos preços dos combustíveis ter tido um espaço significativo, o preço dos alimentos permanece como o principal ponto de pressão.
O atual governo pouco fez para reverter o quadro. Diante da forte desvalorização cambial observada no início do mandato de Bolsonaro, o governo e o BC agiram de maneira lateral, contribuindo para a criação de uma espiral inflacionária que ainda dá sinais. Para além disso, o fôlego das medidas eleitoreiras já tem mostrado seu limite, uma vez que o IPCA-15, que mostrou deflação durante os últimos meses, já voltou a subir 16% para o mês de outubro.
A reversão recente do aumento de preços também se deve muito a melhora dos termos de troca e valorização do real. Isso reforça a importância de políticas que visem atenuar a volatilidade da moeda, através de por exemplo alterações da taxa SELIC e swaps cambiais operados pelo Banco Central, como discutimos na NPE no. 12.
Referências bibliográficas
https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-content/uploads/2022/09/220912_cc_Nota-21-ago22.pdf
https://tradingeconomics.com/country-list/food-inflation
https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=IPCA#:~:text=O%20%C3%8Dndice%20de%20Pre%C3%A7os%20ao,80%25%20e%2C… (acesso em 29/10/2022)
https://www.conab.gov.br/estoques
https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=IPCA#:~:text=73%25%20em%20agosto-,O%20%C3%8Dndice%20Nacional%20de%20Pre%C3%A7os%20ao%20Consumidor%20Amplo%2015%20(IPCA,meses%20imediatamente%20anteriores....
Braga, Julia; Toneto, Rodrigo; Carvalho, Laura. A montanha russa do câmbio: o que explica a desvalorização e a valorização do Real durante a pandemia? (Nota de Política Econômica nº 012). MADE/USP
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/ipca-15-sobe-016-em-outubro-apos-dois-meses-em-queda.shtml