NPE 32: O motivo da indignação fiscal de Lula (ou, por que se tornou mais difícil aumentar o salário mínimo no Brasil?)

Esta Nota ofe­re­ce um comen­tá­rio acer­ca da rela­ção entre polí­ti­ca sala­ri­al, polí­ti­ca fis­cal e con­fli­to dis­tri­bu­ti­vo no Bra­sil, con­si­de­ran­do o mode­lo de cres­ci­men­to econô­mi­co com inclu­são soci­al que carac­te­ri­zou os gover­nos do Par­ti­do dos Tra­ba­lha­do­res (2003–2016). Ao pro­por uma inter­pre­ta­ção que res­sal­ta as con­tra­di­ções dis­tri­bu­ti­vas que emer­gi­ram do mode­lo de cres­ci­men­to econô­mi­co com inclu­são soci­al, este tex­to pro­cu­ra for­ne­cer insu­mos para ana­li­sar as pos­si­bi­li­da­des e os limi­tes refe­ren­tes à sua repli­ca­ção em um novo con­tex­to econô­mi­co, polí­ti­co e ins­ti­tu­ci­o­nal, con­si­de­ran­do o retor­no do Par­ti­do dos Tra­ba­lha­do­res ao Exe­cu­ti­vo Fede­ral em 2023. Em ter­mos espe­cí­fi­cos e mui­to sucin­tos, o argu­men­to aqui ela­bo­ra­do suge­re que a polí­ti­ca de valo­ri­za­ção do salá­rio míni­mo que mar­cou as ges­tões do Par­ti­do dos Tra­ba­lha­do­res (2003–2016) teve um duplo poten­ci­al redis­tri­bu­ti­vo. Por um lado, inci­din­do sobre o mer­ca­do de tra­ba­lho, o aumen­to real do salá­rio míni­mo impac­tou dire­ta­men­te a dis­tri­bui­ção fun­ci­o­nal da ren­da (entre salá­ri­os e lucros). Por outro, dado o arca­bou­ço ins­ti­tu­ci­o­nal asse­gu­ra­do pela Cons­ti­tui­ção de 1988, o salá­rio míni­mo pos­sui efei­to indi­re­to gene­ra­li­za­do sobre os bene­fí­ci­os soci­ais pagos pelo gover­no, em espe­ci­al aque­les asso­ci­a­dos à segu­ri­da­de soci­al. Nes­se sen­ti­do, seu aumen­to teve con­di­ções de ampli­ar o salá­rio soci­al, isto é, o sal­do (entre tri­bu­tos pagos e bene­fí­ci­os ofe­re­ci­dos) da polí­ti­ca fis­cal dire­ci­o­na­do para a garan­tia das con­di­ções de vida e repro­du­ção dos tra­ba­lha­do­res bra­si­lei­ros. Dian­te des­se duplo movi­men­to, suge­re-se que a polí­ti­ca de valo­ri­za­ção do salá­rio míni­mo foi cen­tral para a inten­si­fi­ca­ção do con­fli­to dis­tri­bu­ti­vo sobre a ren­da naci­o­nal em mea­dos da déca­da de 2010. Ins­pi­ran­do-se em Michal Kalec­ki, argu­men­ta-se que a ado­ção de um novo regi­me fis­cal a par­tir de 2016 res­pon­de a este ten­si­o­na­men­to como for­ma de impo­si­ção de um meca­nis­mo dis­ci­pli­na­dor. O con­fli­to dis­tri­bu­ti­vo expli­ci­ta a raci­o­na­li­da­de polí­ti­ca do Teto de Gas­tos, ape­sar de sua incon­sis­tên­cia téc­ni­ca. Com isso, a nova ins­ti­tu­ci­o­na­li­da­de pos­ta per­mi­te repro­du­zir uma nova nar­ra­ti­va acer­ca da ges­tão do orça­men­to públi­co: o aumen­to do gas­to (soci­al) é um aumen­to de cus­teio para a máqui­na públi­ca, insus­ten­tá­vel no médio pra­zo. Não à toa, por­tan­to, o Teto de Gas­tos repre­sen­ta a pri­mei­ra bar­rei­ra à repli­ca­ção ime­di­a­ta das polí­ti­cas que fun­da­men­ta­ram o mode­lo de cres­ci­men­to econô­mi­co com inclu­são soci­al (como é o caso da polí­ti­ca de valo­ri­za­ção do salá­rio mínimo).