NPE 38: Raízes e panorama do trabalho doméstico remunerado no Brasil: reprodução social e algumas de suas contradições
O presente artigo utiliza uma metodologia que combina evidências empíricas qualitativas (entrevistas e investigação histórica) e quantitativas (elaboração e análise de estatísticas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) para evidenciar o atual cenário e os processos históricos que induziram uma permanente desvalorização do trabalho doméstico remunerado no Brasil, realizado quase exclusivamente por mulheres, e que se encontra no cerne dos processos que viabilizam nossa reprodução social. Argumenta-se que este trabalho reprodutivo, ao ser uma expressão da divisão sexual do trabalho que tem suas raízes em nosso passado colonial, é fortemente marcado pela herança da escravização e, nesse sentido, é realizado sobretudo por mulheres negras e tem como elementos centrais a informalidade, a precariedade, a baixa remuneração e a ausência de proteção estatal, sendo amplamente compreendido como uma atividade exercida no âmbito das relações privadas e de afeto, em prejuízo de seu reconhecimento enquanto uma relação profissional de emprego. Nesse contexto, o objetivo desta nota técnica é visibilizar a realidade de vida dessas mulheres e ponderar os atuais limites da proteção estatal para a categoria. Não obstante as décadas de luta das trabalhadoras domésticas organizadas, essa atividade econômica foi, por muito tempo, desconsiderada enquanto forma legítima de trabalho, com a institucionalização desta diferença através de legislações trabalhistas que perpetuavam as segregações instituídas desde o período escravocrata. A capacidade de resistência do movimento de trabalhadoras domésticas, porém, mostrou-se frutífera, e recentemente, parte de suas demandas históricas foram atendidas. Perdura, contudo, a luta pela garantia dos direitos conquistados, visto que, na prática, parcela majoritária dessa classe de trabalhadoras permanece com vínculos informais de emprego, bem como pelo reconhecimento político, econômico e social da categoria.