NPE 27: Privilégio branco na estrutura tributária brasileira: uma análise interseccional de impostos diretos e transferências

Esta nota ana­li­sa os impac­tos dis­tri­bu­ti­vos do con­jun­to dos tri­bu­tos dire­tos e das transferências monetárias públicas, con­si­de­ran­do os recor­tes de gênero e raça, a par­tir de dados da Pes­qui­sa de Orçamentos Fami­li­a­res do IBGE de 2017/2018. A análise é cen­tra­da no topo da distribuição de ren­da, no qual pare­cem estar mar­ca­das diferenças sig­ni­fi­ca­ti­vas. Em par­ti­cu­lar, dis­cu­te-se a diferenciação da incidência dos tri­bu­tos dire­tos entre homens bran­cos e negros. Enquan­to para os bran­cos é possível notar uma que­da da pro­gres­si­vi­da­de dos tri­bu­tos dire­tos com­pa­ran­do o 1% do topo com os 9% seguin­tes, o mes­mo fenômeno não ocor­re para os negros. Suge­re-se que essa diferença pode ser expli­ca­da pelo fato do ren­di­men­to dos negros do topo ser majo­ri­ta­ri­a­men­te pro­ve­ni­en­te do tra­ba­lho, em espe­ci­al de regi­mes com car­tei­ra assi­na­da ou empre­go no setor público como estatutário. Já entre os homens bran­cos, par­te sig­ni­fi­ca­ti­va dos ren­di­men­tos dos que estão no topo é pro­ve­ni­en­te daque­les que se decla­ram empre­ga­do­res, poten­ci­al­men­te remu­ne­ra­dos com ren­di­men­tos do capi­tal. Tais diferenças indi­cam que a isenção tributária para lucros e divi­den­dos é uma expressão do privilégio bran­co, sobre­tu­do no topo da distribuição. Des­sa for­ma, nos­sa nota apon­ta possíveis cami­nhos para se pen­sar ele­men­tos antir­ra­cis­tas de refor­mas tributárias, em par­ti­cu­lar quan­do dis­cu­te-se a garan­tia do princípio da equi­da­de tributária. Para as transferências monetárias, per­ce­be- se uma van­ta­gem em favor dos negros na base da distribuição e das mulhe­res ao lon­go dos vários estra­tos de ren­da. No topo, por sua vez, as mulhe­res bran­cas pare­cem con­tar com uma participação das transferências mai­or que os demais gru­pos. Final­men­te, des­ta­ca-se o papel rele­van­te das pensões e apo­sen­ta­do­ri­as do Regi­me Próprio da Previdência Pública para os estra­tos supe­ri­o­res de renda.

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