Como 4 anos de reajuste do salário mínimo podem impactar seu carrinho de compras do mês?

Segun­do a regra vigen­te, o gover­no é obri­ga­do a cor­ri­gir o valor do salá­rio míni­mo ℠ por no míni­mo a infla­ção do ano ante­ri­or. Recen­te­men­te, o Minis­tro Pau­lo Gue­des afir­mou que­rer alte­rar essa regra. Sua pro­pos­ta é cor­ri­gir o SM pelo valor da infla­ção espe­ra­da para o pró­xi­mo ano. 

O pro­ble­ma des­sa mudan­ça é que as expec­ta­ti­vas ten­dem a subes­ti­mar a infla­ção real. Ou seja, como a infla­ção efe­ti­va ten­de a ser con­sis­ten­te­men­te mai­or que a infla­ção espe­ra­da, a regra pode impli­car em per­da real, redu­zin­do o poder de compra. 

Essa regra, além de dano­sa ao bol­so da popu­la­ção, pro­pi­cia um ganho fis­cal implí­ci­to. Como diver­sos bene­fí­ci­os estão atre­la­dos ao SM (e.g. apo­sen­ta­do­ri­as, BPC, etc), redu­zir seu valor real dimi­nui o gas­to neces­sá­rio com esses paga­men­tos. Essa é uma ideia anti­ga que data do impos­to infla­ci­o­ná­rio da Dita­du­ra Militar.

O obje­ti­vo des­te estu­do é ana­li­sar como essa mudan­ça na regra se tra­duz em ter­mos de dis­po­ni­bi­li­da­de de ali­men­tos. Bus­ca­re­mos ana­li­sar quan­to de comi­da dis­po­ní­vel a mais (ou a menos) cada regra impo­ria ao bra­si­lei­ro daqui a 4 anos, depen­den­do de qual seja seguida.

Simu­la­mos a evo­lu­ção do salá­rio míni­mo para as duas regras pro­pos­tas em dois cená­ri­os dis­tin­tos. As pro­pos­tas de rea­jus­te do salá­rio míni­mo ana­li­sa­das em cada cená­rio são:

  • Regra Lula: cor­ri­gir o SM pelo cres­ci­men­to do PIB
  • Regra Gue­des: cor­ri­gir o SM pela expec­ta­ti­va de inflação

 

Cená­rio 1

O pri­mei­ro cená­rio supõe cres­ci­men­to bai­xo e des­vio modes­to da expec­ta­ti­va da infla­ção com rela­ção à infla­ção rea­li­za­da. A expec­ta­ti­va de cres­ci­men­to do PIB uti­li­za­da nes­se cená­rio foi reti­ra­da do Sis­te­ma de Expec­ta­ti­vas de Mer­ca­do do Ban­co Cen­tral (Focus). A pro­je­ção da dife­ren­ça entre a infla­ção e a infla­ção espe­ra­da foi fei­ta pela dife­ren­ça entre a meta de infla­ção e a infla­ção espe­ra­da reti­ra­da do Focus. Nes­se cená­rio tería­mos um cres­ci­men­to acu­mu­la­do do PIB de 6.58% nos qua­tro anos e ape­nas tería­mos des­vio da infla­ção com rela­ção à expec­ta­ti­va nos dois pri­mei­ros anos, de modo que o poder de com­pra do salá­rio míni­mo se man­te­ria cons­tan­te nos últi­mos dois anos da simulação.

Cená­rio 2

Esse cená­rio supõe uma recu­pe­ra­ção da eco­no­mia mais robus­ta e pro­põe que a infla­ção espe­ra­da des­vi­a­ria da infla­ção rea­li­za­da ao lon­go de todo o perío­do. A expec­ta­ti­va de cres­ci­men­to do PIB para este cená­rio baseia-se no desem­pe­nho do pri­mei­ro man­da­to do pre­si­den­te Lula entre 2003–2006. A pro­je­ção da dife­ren­ça entre a infla­ção e a infla­ção espe­ra­da segue o erro da infla­ção duran­te o gover­no Bol­so­na­ro entre 2019–2022. Nes­se caso obser­va­ría­mos um cres­ci­men­to de 14.8% do PIB.

 

O car­ri­nho de compras 

A par­tir de dados da Pes­qui­sa de Orça­men­to Fami­li­ar (POF), extraí­mos os gas­tos com alguns itens bási­cos de ali­men­ta­ção de quem rece­be um salá­rio míni­mo e cal­cu­la­mos a pro­por­ção obser­va­da de um gas­to com ape­nas esses itens. Por fim, cons­truí­mos uma ces­ta de con­su­mo ali­men­tar que man­tém essas proporções.

Supon­do que todo o ganho (ou per­da) de poder de com­pra do SM seja uti­li­za­do para con­su­mir essa ces­ta, foi cal­cu­la­do o aumen­to (ou dimi­nui­ção) nas quan­ti­da­des dis­po­ní­veis para con­su­mo de cada um dos itens. A com­pa­ra­ção é fei­ta para os casos em que ou a regra pro­pos­ta por Lula ou por Gue­des esti­ves­se vigente.

 

Resul­ta­dos

A regra do Gue­des impli­ca uma per­da no poder de com­pra do SM nos dois cená­ri­os. A per­da no cená­rio 1 (-2.24%) é menor pois as expec­ta­ti­vas ten­dem no médio pra­zo para a meta. Uti­li­zan­do os dados ocor­ri­dos nos últi­mos 4 anos, a per­da cres­ce para ‑6.86% (cená­rio 2).

Já a regra de Lula gera um ganho em ambos os cená­ri­os. O ganho é mai­or no cená­rio 2 (14.76%) pois leva em con­si­de­ra­ção o bom desem­pe­nho da eco­no­mia bra­si­lei­ra entre 2002–2006. Embo­ra seja tal­vez dema­si­a­do oti­mis­ta con­si­de­rar que esse desem­pe­nho seja repe­ti­do, o desem­pe­nho da pró­pria ges­tão Lula é a melhor proxy para o que uma pos­sí­vel futu­ra ges­tão pos­sa fazer. O ganho espe­ra­do no cená­rio 1 é 6.58%.

Em valo­res reais a pre­ços de 2002, a dife­ren­ça no pri­mei­ro cená­rio é de R$106,91 por mês. No segun­do cená­rio a dife­ren­ça sal­ta para R$262,06 men­sais. As dife­ren­ças em ter­mos de dis­po­ni­bi­li­da­de de ali­men­tos por mês podem ser vis­tas nas tabe­las abaixo:

No cená­rio 1, a per­da de salá­rio real da regra de Gue­des leva a uma dimi­nui­ção em todas as quan­ti­da­des. As per­das estão repre­sen­ta­das na colu­na “Rea­jus­te pela infla­ção espe­ra­da (Regra de Gue­des)”. Já a regra de Lula pro­por­ci­o­na um aumen­to em todas as quan­ti­da­des repre­sen­ta­da pela colu­na “Rea­jus­te pelo cres­ci­men­to do PIB (Regras de Lula)”. A últi­ma colu­na repre­sen­ta a dife­ren­ça entre os cená­ri­os, ou seja, quan­to a regra de Lula garan­te em ali­men­tos a mais que a regra de Guedes. 

Por exem­plo, se o rea­jus­te for fei­to pela regra de Lula, daqui a 4 anos, alguém que rece­be um salá­rio míni­mo pode­rá todo mês com­prar mais 3.3 qui­los de arroz do que se a regra de Gue­des for segui­da. O mes­mo se apli­ca para os 635 gra­mas de fei­jão, 1 qui­lo de café, 1.3 litro de leite…

O cená­rio 2 con­si­de­ra um con­tex­to mais favo­rá­vel para a regra de Lula. Se o desem­pe­nho da eco­no­mia se apro­xi­mar ao obser­va­do no seu pri­mei­ro man­da­to, a valo­ri­za­ção do salá­rio míni­mo garan­ti­rá quan­ti­da­des ain­da mai­o­res de ali­men­tos dis­po­ní­veis (colu­na “Rea­jus­te pelo cres­ci­men­to do PIB (Regra de Lula)”).

Nes­se cená­rio, se a regra de Lula for segui­da, daqui a 4 anos, alguém que rece­be um salá­rio míni­mo pode­rá com­prar mais 8.2 qui­los de arroz do que se a regra de Gue­des fos­se imple­men­ta­da. O mes­mo vale para todos os valo­res da ter­cei­ra colu­na (“Dife­ren­ça”) que mos­tram o quan­to a regra de Lula garan­te a mais em ali­men­tos do que a regra de rea­jus­te pro­pos­ta por Guedes.

Em suma, a regra de rea­jus­te do salá­rio míni­mo pro­pos­ta por Gue­des tem o poten­ci­al de dimi­nuir o poder de com­pra e impac­tar no pra­to de comi­da da popu­la­ção. Uma regra mais ati­va de valo­ri­za­ção do salá­rio míni­mo, como a pro­pos­ta por Lula, é vis­ta como positiva.