O Impacto das Medidas de Liquidez no Desempenho Econômico de 2020
Diferentemente de outros momentos de desarranjo econômico, como a crise de 2008, a crise de 2020 teve origem fora do espectro financeiro, exigindo uma atuação diferente por parte dos bancos centrais e governos. O efeito da disseminação do vírus sobre o desempenho econômico, bem como programas de renda emergencial e alívio monetário, se tornaram rapidamente alvo de estudos. Casado et. al (2020) e Toneto, Cardomingo e Carvalho (2021) apontam para uma melhor acomodação de efeitos recessivos da crise sanitária em economias que promoveram pacotes de expansão fiscal em maior dimensão.
Nesse sentido, Benmelech e Tzur-Ilan (2020) buscam explorar como uma série de variáveis (tais como PIB per capita, relação dívida/PIB, número de casos de Covid-19) determinaram em algum nível a variação na taxa de juros de uma série de países. Em especial, reduções no PIB per capita provocam maiores variações nas taxas de juros, evidenciando o papel da redução dos juros como medida de combate à crise. No entanto, essa variação nos juros nominais foi consideravelmente diferente em países que já praticavam juros baixos, de forma que havia menos espaço para reduções como política monetária para o enfrentamento da crise. Países ricos, especialmente aqueles sobre a tutela do Banco Central Europeu, já vinham praticando taxas de juros nominais nulas ao longo dos últimos anos.
Nesse sentido, pretende-se aqui investigar efeitos de medidas de liquidez e de variações nos juros nominais no PIB de 2020 de uma série de países (cross-country). Dessa forma, busca-se entender qual o efeito das políticas promovidas pelas autoridades monetárias de todo o mundo no desempenho econômico durante a crise do coronavírus, refletindo o levantamento de iniciativas monetárias por bancos centrais estudadas até aqui.
Os dados correspondem a uma série de indicadores macroeconômicos, sociais e sanitários para 95 países para o ano de 2020. Entre as variáveis utilizadas encontram-se o Índice de Desenvolvimento Humano, PIB, medidas de liquidez e fiscais, além de indicadores relacionados ao desempenho do país no combate à pandemia, tal como número de casos de Covid-19, número de mortes provocadas pela doença, entre outros.
De forma mais específica, usaremos aqui as variáveis de medidas fiscais, medidas de liquidez e variação dos juros em termos absolutos. Por medidas fiscais, entende-se medidas de apoio financeiro promovidas por governos centrais, no intuito de garantir o funcionamento da economia durante a crise do coronavírus. Já as medidas de liquidez incluem medidas de recompra de ativos, pacotes de socorro financeiro a instituições bancárias, injeções de liquidez e empréstimos, entre outras políticas monetárias realizadas por bancos centrais, visando a garantia de liquidez durante a crise sanitária. Ambas as medidas foram calculadas pelo Fundo Monetário Internacional (World Economic Outlook – 2020) no esforço de sistematizar as respostas promovidas no combate a Covid-19 exclusivamente para o ano de 2020. Uma lista do tamanho das medidas de liquidez e fiscais como proporção do PIB de 2020 pode ser encontrada nas Fig. 1B e 1C dos anexos, respectivamente.
O índice de contingenciamento sanitário (Stringency Index), por sua vez, corresponde a nove indicadores, que incluem a rigorosidade do fechamento de escolas, fechamento de locais de trabalho, restrições a viagens, entre outros. De forma geral, o índice indica a rigorosidade de políticas de distanciamento social como medidas de controle da pandemia. Esse índice foi construído pela Universidade de Oxford (Covid-19 Government Response Tracker), e varia de 0–100 (do pior para o melhor). Para uma visualização dos diferentes desempenhos de países medidos pelo índice de contingenciamento, durante 2020, pode ser encontrada na Fig. 1D dos anexos.
Além disso, utilizamos também a variação da taxa de juros nominais entre 2019 e 2020, conforme utilizado em Benmelech e Tzur-Ilan (2020), ou seja, antes e depois do desajuste econômico global, que corresponde à estratégia de garantia de liquidez promovidas por bancos centrais ao longo das crises, conforme explorado na seção de políticas de enfrentamento da crise. A redução de juros, no contexto macroeconômico usual, implica numa medida de expansão da liquidez, medida crucial no enfrentamento monetário-financeiro da crise. A variação nos juros nominais também utiliza informações contidas no relatório de acompanhamento do FMI. No anexo Fig. 1A encontra-se uma visualização para a variação em p.p. dos juros.
Por fim, utilizamos o PIB de 2020 conforme computado pela base de dados World Economic Outlook do FMI.
Estatísticas descritivas sobre a base de dados podem ser encontradas com melhor especificidade na Tabela Anexa 1.
Procuramos aqui estimar através de regressões múltiplas o efeito da redução dos juros e das medidas de liquidez, conforme descrito anteriormente, no desempenho de uma economia durante a crise do coronavírus (medido por seu PIB 2020), controlando por uma série de fatores. Dessa forma, visa-se verificar o papel dos bancos centrais nas medidas de estabilização econômica promovidas durante 2020.
Ainda que o produto de uma economia não seja, de forma geral, o objeto de interesse das autoridades monetárias (geralmente interessadas em agregados monetários e inflação), é inegável que as medidas de liquidez têm papel crucial na manutenção do pleno funcionamento de uma economia. Nesse sentido, em todas as regressões apresentadas abaixo utilizaremos como variável dependente o PIB realizado em 2020.
A Tabela 1 apresenta três modelos de regressão, com todas as variáveis, tanto as independentes quanto as dependentes, após aplicar a transformação logarítmica das séries. O modelo (1) utiliza como variável explicativa a variação dos juros nominais entre 2020 e 2019, aliada com as medidas de liquidez, controlando pelas medidas fiscais, ambas em proporção ao produto interno da economia em questão. Segue conforme estimado na equação 1 abaixo:
log Y2020 = 0+ 1log Variação da Taxa de Juros + 2log Medidas de Liquidez + 3log Medidas Fiscais +erro
Já o modelo (2) acrescenta ao primeiro a medida de restrição a circulação e incentivo ao lockdown promovidas pelos respectivos governos (Stringency Index), conforme expresso na equação 2:
log Y2020 = 0+ 1log Variação da Taxa de Juros + 2log Medidas de Liquidez + 3log Medidas Fiscais + 4log Medidas de Contingência +erro
Por fim, o modelo (3) adiciona uma variável dummy que corresponde a países membros da OCDE, controlando assim para maneira distinta com que a crise de Covid-19 afetou países ricos e países pobres. O modelo estimado é apresentado na equação 3:
log Y2020 = 0+ 1log Variação da Taxa de Juros + 2log Medidas de Liquidez + 3log Medidas Fiscais + 4log Medidas de Contingência + 5DummyOCDE+erro
Dessa forma, procuramos isolar o efeito da redução da taxa de juros e das medidas de garantia de liquidez no PIB de 2020, indicando a eficácia da política monetária no combate a crise.
Nota-se, primeiramente, que a redução na taxa de juros nominal, ainda que sem resultados significativos, apresentou o sinal esperado pela literatura macroeconômica convencional. Considerando que a maior parte dos países vivenciou reduções nos juros, inclui-se a política monetária expansionista como um dos mecanismos efetivos de combate a crise, em especial, pelo canal de garantia de liquidez.
De maneira bastante significativa, as medidas monetárias apresentaram um efeito marginal bastante impactante no desempenho econômico de 2020, em especial no modelo (1). Já no modelo (3), adicionando os demais controles sanitários e para países ricos (OECD), reduz-se a significância e o efeito marginal das medidas.
As medidas fiscais, assim como a anterior, afetaram positivamente o produto de 2020. No caso do modelo (1), as medidas monetárias apresentam efeito superior no PIB de 2020 do que as medidas fiscais. Adicionando os demais controles, nos modelos (2) e (3), os pacotes fiscais mostraram efeitos superiores aos de liquidez. O controle de circulação e disseminação do vírus de Covid-19, expressado na variável de Medidas de Contingenciamento, apresenta efeitos bastante significativos, destacando a importância dessas medidas no desempenho econômico observado. Ou seja, um combate mais assertivo ao coronavírus através de maiores restrições sanitárias implicou num melhor desempenho econômico ao longo do primeiro ano da pandemia. Tanto no modelo (2) quanto no modelo (3) a variável aparece de maneira significativa.
Por fim, a dummy utilizada para indicar o conjunto de países ricos (dito como o grupo de países pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revela um resultado distinto para essas economias se comparadas com países em desenvolvimento. De forma geral, países membros da OCDE foram mais bem-sucedidos nas medidas de contingência (ver Fig. Anexo 1D), além de apresentarem conjunturas macroeconômicas mais estáveis, que permitiram uma recuperação mais estável e melhor acomodação das incertezas provocadas pela pandemia.
A evidência encontrada se alinha com Eichenbaum (2019), uma vez que, praticando juros nominais extremamente baixos ou ainda nulos, países ricos tiveram menos espaço para políticas monetárias convencionais, tal como a simples redução de juros nominais, o que por sua vez não resultou em perda de capacidade de recuperação econômica.
Referências bibliográficas
BENMELECH, E., TZUR-ILAN, N. (2020). The determinants of fiscal and monetary policies during the COVID-19 crisis. National Bureau of Economic Research.
CASADO, M. G., GLENNON, B., LANE, J., MCQUOWN, D., RICH, D., WEINBERG, B. A. (2020). The Aggregate Effects of Fiscal Stimulus: Evidence from the COVID-19 Unemployment Supplement (No. w27576). National Bureau of Economic Research.
EICHENBAUM, M.S. (2019). Rethinking Fiscal Policy in An Era of Low Interest Rates. Economic Policy Group - Monetary Authority of Singapore.
TONETO, R.; CARDOMINGO, M.; CARVALHO, L. (2021). Salvando vidas e a economia: a importância dos gastos públicos na crise causada pela Covid-19 (Nota de Política Econômica nº 009). MADE/USP.